cultores, e que os sabios; e, depois de largo e fundo discursar a
proposito de bois gordos, adormeceriamos ambos ahi pelas alturas de
Rio tinto, e sonhariamos, com as vaccas magras do sonho de Pharao,
sonho de fome, que, a meu ver, näo foi acertadamente interpretado
por Joseph. O rei do Egypto sonhava com os agougues de Portugal
no s'eculo XIX.
Que magnifica boiada! — disse eu — O boi e o quadrupede que
mais se parece com um philosopho. Ve tu o passo mesurado, grave,
e cadente de um boi I O olhar meditativo! a sisudeza do aspeito! o
ar revelativo de um complicado trabalho intellectual que se estä
elaborando n’aquella enorme cabega! Ha grandes philosophos inque-
stionavelmente menos seriös e cogitativos que o boil De certo sabes,
amigo Antonio Joaquim, a importancia social, legendaria, symbolica,
e mythica do boi na antiguidade.
Näo sei isso bem; disse modestamente o meu amigo — o
que eu sei d’este prestadio animal e que a umanidade o come ha
muitos seculos, e que nos jantares de Crassus e Lucullus appareciam
bois inteiros assados, e creio que no convento de Mafra tambem se
assavam inteiros os bois.
Principiando um j)ouco depois do diluvo tornei eu — saberds
que os bois, entre os egypcios, os phenicios, e indostanicos ....
Kram bois - - atalhou Antonio Joaquim. A consideragäo, que me
mereces ha muitos annos, e a franqueza com que me tractas, anima-me
a j>edir-te que me näo digas nada da importancia do boi 11a Phenicia,
no Egypto, e no Indostäo. As liteiras säo locomotivas proprias e talhadas
para esses e analogos discursos; pordm, jd que, ate agora, pudemos
aligeirar as horas sem carregarmos o espirito de erudigäo litteralmente
bovina, pedia-te que me ouvisses uraa historinha de bois ein que
entra uraa paixäo das que levam a vida a pique, e uma formosa moga
das que a natureza faz com o toque da sua vara mais prodigiosa de
magias.
K uma historia sentenciosa e seria como a dos persevejos de
Baltar? — preguntei.
Näo. E triste, e merecia sei: bem contada.
A loura Theresinha da Gingeira era uma rapariga minha visinha,
filha de um bom lavrador. Tinha vinte annos alegres como as alvoradas
dos passarinhos. As faces puniceavam-se-lhe como as ginjas que sobre
a janella do seu quarto lhe pendiam ein festöes da corpulenta arvore,
(jue dava o noine d casa do lavrador.
Thereza, quando tinha doze annos, herdou de sua madrinha dois
novilhos. O pai deixou-lh’os crear como propriedade d’ella, bem que a
mäi os quizesse logo vender, e empregar o producto ein ouro para as
orelhas da filha. Thereza conseguiu a bem-querenga do pai aos seus
bezerrinhos, e deu-se toda a cuidar d’elles coin muito contentamento.
Quando elles, jd saciados de pasto, se deitavam nos prados a ruminar,
Thereza sentava-se entre elles, anediava-os, acariciava-os, e adormecia
com a cabega apoiada nos molles flancos dos immoveis almalhos, que