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50. Ultima corrida de touros em Salvaterra.
O senhor D. Josd, primeiro de nome, era em Salvaterra um rei
em ferias. A verdade € que os maldizentes notavam, em segredo, que
sua magestade, em Lisboa, estava sempre ao torno e o marquez de
Pombal no throno. O proloquio fundava-se na habilidade mechanica
do monarcha, como torneiro, e no caracter dominador do marquez,
cotno ministro.
Vecejavam os campos em plena primavera. A amendoeira cobria-
se de flöres, os bosques enfolhavam-se, as veigas vestiam-se e matizavam-
se, e a brisa doudejava indiscreta arregagando o lengo ä donzella que
passava, ou roubando um beijo ä rosa perfumada. Tudo eram alegrias
e canticos . . . os rouxinoes nas moitas, o coragäo nos amores, e a
natureza nos sorrisos ao sol esplendido que a doirava.
Uma toireada real chamara a corte a Salvaterra. Os fidalgos
respiravam n’estas occasiöes menos opprimidos. Näo os assombrava
täo de perto a privanga do ministro. Os toiros eram bravos, os ca-
v alleiros destros, o amphitheatro pomposo, e o cortejo das damas
adoravel. O prazer ria na bocca de todas. Por cumulo de venturas,
o marquez de Pombai ficära em Lisboa, retido pelo conflieto com o
embaixador de Hespanha.
Contava-se em segredo nos recautos do palacio o dialogo tra-
vado entre o enviado castelhano e o secretario de estado portuguez,
louvando-o uns em alta voz, para os eccos d'aquellas paredes repetirem
o elogio, crucificando-o outras sem piedade, para saciarem os odios.
As devotas e os fidalgos puritanos eram pelo hespanhol, e pediam a
Deus que os rebates da guerra proxima despenhassem o plebeu nobi-
litado. Os magistrados e os homens de capa e volta defendiam o
marquez e respondiam com meios sorrisos äs fogosas jaculatorias dos
zelosos do throno e do altar. O marquez de Pombal tinha-se negado
com firmeza äs concessöes, exigidas imperiosamente pelo governo ca
stelhano.
— Muito bem, atalhou o embaixador, um exercito de sessenta
mil homens entrarä em Portugal e farä ....
— O que? perguntara o marquez, sorrindo-se com a trcmenda
luneta assestada, e no tom mais indifferente.
Farä entender a razäo e a justiga d’el-rei, meu amo, a sua
magestade e a vossa excellencia! redarguiu, meia oitava a cima o hes
panhol, suppondo o ministro fulminado.
Sebastiäo Josd de Carvalho franziu as sobrancelhas, carregou a
viseira, e cravando a vista e a luneta no diplomata, retroquin-lhe
friamente:
- Sessenta mil homens muita gente <5 para casa täo pequena;
mas querendo Deus, el-rei meu amo e meu senhor, sempre ha de
achar onde possa hospedal-a. Mais pequena era Aljubarrota, e lä
couberam os que D. Joäo de Castella trouxe. Vossa excellencia pöde
responder isto ao seu governo.