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22. Descobrimento do Brazil.
No anno següinte ao da volta de Vasco da Gama, encarregou
D. Manuel a Pedro Alvares Cabral, senhor de Belmonte e alcaide-mör
de Azurara, o mando d’uma armada de treze velas, que devia na sua
derrota correr a costa de Sofala, visitar o rei de Melinde, chegar a
Calecut, e prosegulr na empresa, a um tempo mercantil e guerreira,
iniciada com tanta fortuna pelo primeiro descobridor. Era a frota
magnifica e poderosa, e tinlia conio capitäes, entre outros, alem de
Pedro Alvares Cabral, Nicolau Coelho, que föra na anterior expedigäo,
e Bartholomeu Dias, o primeiro que ousära dobrar o cabo da Boa
Esperanga, e que no seio das suas tormentas ia encontrar d’esta vez
o perpetuo somno da morte.
Preparado tudo para a partida, levantaram-se ancoras, desfral-
daram-se velas, e, cortando as aguas, saiu a armada de mar em föra
no dia 9 de margo, e seguiu viagem prospera atö äs alturas de Cabo
Verde, onde um temporal desfeito de tal modo agitou os mares, que
os navios, envolvidos entre serras de ondas, ora eram algados no
cume das vagas, como se eilas os qüizessem expellir de si, ora quasi
se submergiam na concavidade do abysmo. Acalmada a procella,
juntou-se toda a frota ä excepgäo d’um navio, que depois arribou a
Lisboa, e continuaram os doze restantes pelo oceano, afastando-se das
costas de Africa, ou para evitarem as calmarias de Guinö, como jä o
praticara Vasco da Gama, ou porque, para o proseguimento de tal
rumo, influisse de algum modo o espirito aventuroso e obstinado d’esses
homens energicos, que tudo arrostavam, e a tudo se atreviam com o
ardor que sö deriva do verdadeiro enthusiasmo.
As plantas maritimas encontradas no dia 21 de abril, as aves
redemoinhando nos ares ou pousando sobre as aguas, um halito per-
fumado, impregnando a atmosphera, annunciaram aos havegantes a
proximidade de regiöes desconhecidas; e por isso, na rnanhä següinte,
apinhavam-se todos nos chapiteus da proa, fixa a vista no extremo
dos mares, onde jä se divisava como que um ponto escuro, que gradual-
mente ia crescendo. Afrnal a voz do gageiro da nau capitanea bradou
no cesto da gavea — terra! — e durante minutos sö esta voz de
contentamento indizivel resoou em todos os navios. A ligeira nevoa
avultara no horizonte, a frota surdia sempre avante, e por fim jä
distinctamente se observava um monte de forma arredondada, largas
serranias para o sul, e ao longe uma extensa planicie, vestida de
sombrios arvoredos. Aproaram entito as naus ä terra, que pela igno-
rancia d’aquellas eras julgaram os pilotos que sö podia ser uma
grande ilha, como alguma dos Agores ou das Antilhas, ancoraram
perto da costa, e na manhä següinte sulcavam as aguas em direcgäo
ä praia.
Grupos de homens de mulheres e de creangas appareciam por
entre as arvores, e ora se adeantavam a medo, ora se retraiam, teste-
munhando nos gestos o espanto que Ihes causavam as embarcacöes,