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Kilo exerci na India cargo algum administrativo e portanto outro,
que näo eu, vos poderia explanar quaesquer projectos de melhora-
mentos e planos de boa economia administrativa, tendo observado de
perto quaes as necessidades mais urgentes, quaes os servigos a montar
ou a remodelar n’essa India de que Diogo do Couto, no seu Soldado
pratico, jä tanto se queixava! Estive ali como commandante da estagäo
naval nos annos de 1897'—98; fazia da India uma idea completa-
mente differente da que fago hoje, interessou-me a ethnographia, a
religiäo e vida d’aquelles povos täo differentes do que ate entäo tinha
visto, percorri uma parte desse Estado, que foi a nossa gloria, e que
6 hoje quasi a nossa vergonha, mas bem ionge estava eu de que tivesse
de vir a publico dizer alguma coisa do que tinha visto em täo rapida
visita. Maior campo onde satisfizesse a minha curiosidade offereceu-me
a India Ingleza e, aproveitando o ensejo, visitei Bombaim e Calcuttä,
os dois grandes emporios commerciaes, as duas cidades cosmopolitas,
depois, tendo admirado a gigantesca cordilheira do Hymalaia, subindo
a Darjeling, a 10:000 p£s de altura, desci ao Ganges, vdsitando a
India Santa nas margens do rio sagrado, Benares, a cidade dos fakires;
Allahabad, a cidade das peregrinagöes, passei depois ä India dos Sultöes,
que teve por capitaes Agra e Delhi, onde tantas riquezas existiram, e onde
ainda hoje täo interessantes obras de arte existem, por fim ä India das
Mil e uma Noites em Ahmehabad e Jeipur onde se encontra a entrada do
Paradiso, a porta das Saphiras, tudo como nos contos de fadas, onde
os macacos passeiam ä solta nas ruas e entram nas casas e em que
doirados pavöes abundam em liberdade como n’uma aldeia, as gallinhas!
Em tudo que vi näo falta materia para interessantes narrativas.
A India foi, 6, e ha de ser, ainda por longo tempo, vasto campo
de observagäo onde todos os investigadores e estudiosos encontram
largamente em que applicar o seu espirito. E certo, que muito se tem
estudado n’essa grande peninsula que os nossos antepassados tiveram
a gloria de abordar por caminho ate entäo desconhecido, trazendo-a
por assim dizer, ao convivio dos povos occidentaes, mas täo vastos
säo os assumptos interessantes, que ella ainda hoje apresenta, quer na
sua ethnographia, quer na sua legislagäo ou nas suas religiöes e seitas,
que ainda muito tempo decorrerä, antes que bem interpretados e
conhecidos sejam os Vedas e os Puranas, ou que se desvendem as
secretas cerimonias que se passam no silencio dos templos, desde as
dangas lascivas e louvores entoados em honra do Lingam, ate aos
assombrosos do fakirismo !
Eallar-vos da India em geral, 6 remontar a epocas de nös afastadas
de milhares de annos, 6 ir quasi ao bergo da humanidade e da
civiüsagäo, 6 embrenharmo-nos no labyrintho d’um phantastico pan-
theismo, 6 encontrarmo-nos em presenga do principio que divide estes
povos em castas, perfeitamente separadas, cavando entre ellas pro
fundos abysmos impossiveis de transpör, ao mesmo tempo que teriamos
de admirar a sä moral do Budhismo, e as phantasticas e dantescas
descripcöes do Ramayatta ou do Mahäbaratha.