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Foi em Lisboa (ou em Coimbra) que nasceu Camöes, e ahi
passou a primeira infancia. Aos treze annos, em 1537, tendo partido
dois annos antes para Coimbra, achamo-lo cursando as aulas do collegio
de Santa-Cruz sob a protecgäo de seu tio, o prior 1). Bento, geral da
ordern, valido de D. Joäo III e depois (1539) cancelario da Universidade,
que nutria a esperanqa de o fazer entrar na vida ecclesiastica.
A Universidade, transferida de Lisboa para Coimbra em 1537,
dois annos antes da nomeagäo do geral I). Bento, era entäo centro
de estudos fecundo e forte, onde el-rei D. Joäo III congregara um
nucleo de homens eminentes pelo saber. Rfecrutara-os por toda a Europa
e a fama dos estudos da Universidade de Coimbra soava por toda ella.
As lettras e as linguas classicas eram cultivadas com aquella profunda
fe que a Renascenga collocava na efficacia do humanismo. Parecia-lhe
uma revelagäo.
Ainda entäo as lettras se näo consideravam um instrumento
apenas; mas, pelo contrario, punha-se no saber e na educapäo do es-
pirito o proprio fim, o proprio objecto da vida. 0 humanismo era
uma philosophia.
Lettras, sciencias cultivavam-se em Coimbra ferverosamente. A
Universidade congregava o que Portugal tinha; e era muito. Coimbra
parecia Athenas: Athenas esse credimus. Ensinavam ahi Pedro Nunes,
o mathematico, Andrö de Gonveia, Joäo da Costa, Diogo de Teive,
Antonio Mendes, Joäo Fernandes, Andrd de Rezende, o archeologo,
Ignacio de Moraes, Melchior de Belliago; e aos professores portuguezes
juntava esse rci, com quem a historia moderna tem sido atrozmente
injusta, e cujo governo foi incomparavelmente mais lucido e forte que
o do Venturoso, os mestres mandados vir de Franga, por ordern do
Doutor Diogo de Gouveia, que a esse tempo mandava na Universidade
de Paris, e era reitor ou principal do collegio de Santa Barbara.
Francezes, hespanhoes e inglezes, eram, Gronchio, F'abricio, Rosetto,
Elias, Jacques, Patricio e Buchanam, para o latirn, grego, e hebreu e
para as artes Reinoso, Suevära, para a medicina; Arnanio, Scott, para
as leis; Navarro, Alargäo, Morgovejo e Andrada, para o dereito canonico;
e Ledesma, Prado, Monson, Romen e Villarino para a theologia. A
Universidade gosava de altos creditos em toda a Europa, e era a
primeira das Hespanhas: Conimbriga civitas inter alias totius Hispaniae
in re litteraria florentissima.
Eis-ahi o foco d’onde irradiou, sobre o espirito de Camöes, a
primeira luz da educagäo; embora pareqa averiguado que nunca passou
dos estudos menores, no collegio de Santa-Cruz para a Universidade.
Eis-ahi onde travou as relaqöcs e amizades que o acompanharam no
decorrer da vida. A sua mocidade exuberante encontrou no genio da
autiguidade classica o alimento d’uma iniciaqäo forte; mas o destino
posterior da sua vida e a pujanqa espontanea do seu talento impediram
que essa iniciaqäo fizesse murchar, como succedeu tantas vezes, a
originalidade e a nacionalidade do seu genio. Vestiu-se ä antiga, ficando
sempre moderno, pelo corapäo e pelo sangue. Adoptou as regras da