78
O seu apurado bom gosto levou-o a ficar debrugado sobre as
minas do passado classico, emquanto os outros se aventuravam ä töa
no paiz maravilhoso do romantismo. Nem por isso desdenhou os opu-
lentos veios descobertos pela moderna escola, e depois de ter explorado
no antigo terreno a esplendida mina das Cartas de Echo e Xarciso,
e da Primavera, depois de ter mostrado as riquezas ignoradas, que ahi
jaziam, e que tanto se differengavam das falsas joias, com que se ufa-
nava a arrebicada escola do seculo passado, empunhou o alaude dos
menestreis, e a -sua doce voz, que conquistara os laureis de Apollo
aos seus classicos rivaes, venceu no torneio rotnantico os trovadores
que descantavam xacaras e balladas. Depois, quando todos, enfastiados
da degeneragäo do romantismo, comegavam a escrever o epitaphio da
poesia portuguesa, Castilho ergueu a voz de novo, mais grave, mais
sonora do que atd ahi. Se d’antes enlevava, agora infundia respeito.
A lyra dos amores fizera-se a lyra da civilisagäo. Dourara-se a philo-
sophia com os poeticos esplendores, assumira a poesia a magestade
philosophica. E sem esquecer as suas predilecgöes de infancia, nem
os seus amores da juventude, Castilho deu äs suas producgöes a do-
gura serena, a grave austeridade do outono da existencia. Risonha no
paganismo, melancolica nos seus cantares romanticos, profunda na sua
feigäo philosophica, a lyra do nosso grande poeta 6 verdadeiramente
a personalisagäo da poesia na sua mais elevada significagäo. Espelho
magico em que se mirarn todos os esplendores, harpa eolia que gerne
sempre com a aragem, quer esta Ihe leve o perfume das rosas de Anacre-
onte, dos goivos do menestrel, ou das violetas do solitario scismador,
eis o que € Antonio Feliciano de Castilho, a quem a naturcza näo
quiz conceder um logar no amplo banquete de luz, onde se sacia a
humanidade toda, para lhe dar em compensagäo um logar escolhido
na mesa olympica, onde corre a jorros o inebriante nectar da poesia.
M. Pinheiru Chagas
(1842—1895).
44. A. Herculano
(1810-1877).
O sr. Alexandre Herculano desterrou-se da vida publica em 1842.
Nada havia mais logico do que esta resolugäo. Näo era de
certo n’o espectaculo languido, nas paixöes pouco vigorosas dos partidos,
que o seu pensamento podia encontrar um substancial e fecundo
pasto. O illustre escriptor foi pedir inspiragöes ao passado; era uma
predilecgäo irresistivel do seu espirito; predilecgäo que manifestara
mesmo nas obras puramente litterarias e poeticas. A sua intelligencia,
naturalmente synthetica, achava-se comprimida nos limites do romance
e da narrativa; e serä porventura difficil de adivinhar no autor das
Arrhas por foro de Hespanha, no que cinzelara o cyclo doloroso do
pensamento individual no pirologo do Parocho da Aldeia, o futuro