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48. Reflexöes importantes sobre o Bois-de-Bou!ogne e o cafe
do Cartaxo.
Dos cafes cm gerat, e de como sao o characteristico da civilizagäo de um
paiz. Historia do Cartaxo. Dcmonstra-se como a Ctran’ Bretanha deveu sempre
toda a sua forfa e toda a sua gloria a Portugal. Shakespeare e Laffitte, Milton e
Chateaumargot, Nelson e o principe de Joinville. Prova-se evidentemente que
M. Guizot e a ruina de Albion e do Cartaxo.
Yoltar ä meia noite do Bois-de-Boulogne — o bosque por ex-
cellencia, — descer, entre nuvens de poeira, o longo stadio dos Campos-
Elysios, entrever, na rapida carreira, o obelisco de Luxor, as ärvores
das Tulherias, a columna da pra§a Vandomme, a magnificencia heteroclyta
da »Magdalena«, e emfim sentir parar de uma soffreada magistral, os
dois possantes inglezes que nos trouxeram quasi de um follego atö ao
»boulevard de Grand« : ahi entreabrir mollemente os olhos, levantando
ineio corpo dos regallados cochins de seda, e dizer: »Ah; estainos cm
Tortoni. . . que delicia um sorvete com este calor!« 6 seguramente, 6
dos prazeres maiores d’este mundo, sente-se a gente vivcr; € meia hora
de existencia que vale dez annos de ser rei em qualquer outra parte
do mundo.
Pois acredite-me o leitor atnigo, que sei alguma coisa dos sabores
e dissabores d’este mundo, fie-se na minha palavra, que & de homem
experimentado; o prazer de chegar por aquelle modo a Tortoni, o
apear da elegante caleche balanqada nas mais suaves mollas que fabricasse
arte ingleza do puro ago de Suecia, näo alcanqa, näo se compara ao
prazer e consolaqäo de alma e corpo que eu senti ao apear-me de
minha choiteira mula ä porta do grande cafe do Cartaxo.
Fazem idea do que e o cafe do Cartaxo? Näo fazem. Se näo
viajam, se näo sahein, se näo veem mundo esta gente de Lisboa!
K passam a sua vida entre o Chiado, a rua do Oiro e o theatro
de San’ Carlos, como häo de alargar a esphera de seus conhecimentos,
desenvolver o espirito, chegar ä altura do seculo?
Coroae-vos de alface, e ide jogar o bilhar, ou fazer sonetos ä
dama nova, ide, que näo prestaes para mais nada, meus queridos Lis-
boetas; ou discuti os deslavados horrores de algum mellodrama velho
que fugiu assoviado da »Porte Saint-Martiu« e veiu esconder-se na
Rua-dos-Condes. Tambem podeis ir aos Toiros — estäo embolados, näo
ha perigo. . . .
Viajarr. . . quäl viajar! ate ä Covada-Piedade, quatido muito, em
dia que ha cavallinhos. Pois ficareis alfacinhas para sempre, cuidando
<}ue todas as praqas d’este mundo säo como a do Terreiro-do-Paco,
todas as ruas como a rua Augusta, todos os cafhs como o do Marrare.
Pois näo säo, näo: e o do Cartaxo menos que nenhum.
0 cafe c uma das feiqöes mais characteristicas de uma terra.
0 viajante experimentado e fxno chega a qualquer parte, entra no cafe,
observa-o, examina-o, estuda-o, e tem conhecido o paiz em que estä
o seu governo, as suas leis, os seus costumes, a sua religiäo.