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Levem-me de olhös tapados onde quizerem, näo me desvendem
senilo no cafö; e protesto-lhe que em menos de dez minutos lfae digo
a terra ein que estou se for paiz sublunar.
Nös entramos no cafe do Cartaxo, o grande cafe do Cartaxo; e
nunca se incruzou turco em divam de seda do mais esplendido cafö
do Constantinopla com tanto goso de alma e satisfagäo de corpo,
como nös nos sentämos nas duras e asperas täbuas das esguias ban-
■quetas mal sarapintadas que ornam o magnifico establecimento bordalengo.
Em poucas linhas se descreve a sua simplicidade classica: serä
um paralellogrammo pouco maior que a minha alcova; a esquerda
duas mezas de pinho, ä direita o mostrador invidragado onde campeam
as garrafas obrigadas de liquor de amendoa, de cannella, e cravo. Pendem
do tecto, laboriosamente arrendados por näo vulgär tesoira, os pingentes
de papel, convidando a lascivo repouso a inquieta raga das moscas.
Reina uma frescura admiravel n’aquellc recinto.
Sentamo’-nos, respiramos largo, e entramos em conversa com o
dono da casa, homem de trinta a quarenta annos, de physionomia
experta e sympathica, e sem nada do repugnante villäo-ruim que ö
täo usual de incontrar por similhantes logares da nossa terra.
»Entäo que novidades ha por ca pelo Cartaxo, paträo?«
— »Novidades! por aqui näo temos senäo o que vem de Lisboa.
Ahi estä a »Revolugäo« de hontem. . .
— »Jornaes, raeu caro amigo! Vimos fartos d isso. Diga-nos al-
guma cousa da terra. . .
() bom do homem visivelmente näo queria fallar mais: e näo
deviamos importuna-lo.
Sahimos a visitar o nosso bom amigo, o velho D., ä honra e a
alegria do Ribatejo. Jä eile sabia da nossa chegada, e vinha no ca-
minho para nos abragar.
Pornos dar, junctos, uma volta pela terra. E das povoagöes mais
bonitas de Portugal, o Cartaxo aceada, alegre; parece o bairro sub-
urbano de uma cidade.
Näo ha aqui monumentos, näo ha aqui liistoria antiga: a terra
ö nova, e a sua prosperidade e crescimento datam de trinta ou qua
renta annos, desde que o seu vinho comegou a ter fama. Ja descahida
do que foi, pela estagnagäo d'aquelle commercio, ainda e comtudo a
melhor coisa da Borda-d’agua.
Näo tem historia antiga, disse; mas tem-n’a moderna e importantissima.
Que memorias aqui näo ficaram da guerra peninsular! Que
espantosas borracheiras aqui näo tomaram os mais famosos generaes,
os mais distintos militares da nossa antiga e fiel alliada, que ainda
entäo, ao menos, nos bebia o vinho:
Hoje nem isso! . . . hoje bebe a jacobina zurrapa de Bordeos,
e as acerbas' limonadas de Borgonha. Quem tal diria da conservativa
Albion! Como pöde uma leal goella britannica, rascada pelos acidos
anarchicos d’aquellas vinagretas francezas, intoar devidamente o God-
save-the-King em um toast nacional!